A Fiscalidade na Economia Digital

Publicado em 22/06/2021 15:29 em Destaques

A possibilidade de pagamento de impostos em tempo real, no momento em que ocorre o acto tributável, e o pagamento de impostos pelas multinacionais no local onde a receita é gerada estiveram em debate num Encontro Internet (MeetOn) promovido pela APDSI – Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação.

No encontro, realizado quinta-feira e moderado por Nuno Guerra Santos, da Direcção da APDSI, o Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, afirmou que Portugal foi um dos países que impulsionou a discussão da tributação da economia digital, que não pode ser iniciativa de um país, numa economia global tem de ser uma decisão mais global.

Observou que o grande desafio fiscal que se coloca aos países é como podem acompanhar a realidade do digital numa economia global e recordou que a OCDE impulsionou medidas para evitar a evasão fiscal por transferência de rendimentos entre várias jurisdições.

Mendonça Mendes destacou que a discussão hoje é mais ampla, é sobre o princípio da tributação dos rendimentos, que deve deixar de ser função da localização do estabelecimento ou sede fiscal e passar a ser função do local onde os rendimentos são gerados.

Lembrou que as novas regras para o IVA do comércio electrónico de bens e serviços e plataformas electrónicas (como a Uber) prevêem que as empresas vendedoras paguem o IVA de bens e serviços contratados por Internet no país de destino e o fim da isenção de IVA para bens de valor interior a 22 euros comprados por Internet a países terceiros (exteriores à União Europeia).

O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais indicou que o que lhe parece relevante nesta fase não é discutir a criação de novos impostos, mas que os existentes evoluam no sentido da evolução global da sociedade.

Observou que a Administração Tributária (AT) portuguesa passou de uma fase baseada no preenchimento de papéis para outra em que usa a informação que tem para calcular o valor do imposto, acrescentando que o automatismo e a simplificação é a evolução normal, embora não se possa ignorar que a fiscalidade é uma base da democracia representativa.

Mendonça Mendes sublinhou que o mundo é global e os Estados não podem estar em concorrência fiscal e considerou que «parece impossível» como Estados da União Europeia, que é um mercado único, vivem em concorrência fiscal.

Mário Campos, subdirector geral da Autoridade Tributária, apontou como desafios que o mundo enfrenta a globalização, a desmaterialização dos modelos de negócio, a alteração das relações laborais, a economia de partilha e a robotização das actividades, no contexto de uma sociedade tecnológica e dos grandes avanços da revolução digital.

Para aquele responsável da AT, pensar digital é simplificação e flexibilidade, significa entender os comportamentos e expectativas daqueles a quem a AT se dirige, endereçando-as com base nas capacidades tecnológicas.

Observou que os dados e informação obtidos são um pilar essencial da administração fiscal, a protecção desses dados é um pilar essencial da confiança na AT e a qualidade da gestão desses dados é fundamental e que tudo deve ser baseado numa arquitectura tecnológica de referência.

Acrescentou que a interoperabilidade é um elemento essencial para as relações entre diferentes serviços, dentro e fora da administração fiscal, com exploração das capacidades tecnológicas para responder aos grandes desafios que a evolução coloca.

Mário Martins Campos apontou a necessidade de reduzir os custos de contexto na AT e a importância de devolver o que se poupa com a simplificação fiscal.

Realçou que a crise pandémica deixou a certeza da importância do digital e da flexibilidade de organização, deu como receita simplificar, a seguir simplificar… e só depois digitalizar. Defendeu o foco na simplificação dos processos para potenciar a exploração efectiva das oportunidades digitais existentes e emergentes.

O Secretário de Estado sustentou a necessidade de gerir as capacidades das infra-estruturas tecnológicas em função das necessidades presentes e futuras, garantir a segurança e a protecção dos dados e a adopção de soluções tecnológicas eficazes.



José Guita, director da consultora Accenture, disse que a administração fiscal 1.0 se baseava em papéis e tratamento manual dos dados, à medida que a economia se foi tornando mais digital os processos alteraram-se e a isto podemos chamar administração fiscal 2.0, com declarações mais próximas do facto tributável mas cumprimento diferido no tempo.

Previu que na administração fiscal 3.0, o facto que gera a obrigação fiscal, a declaração e o pagamento são em tempo real, com validação da informação na origem, o que exige coordenar muitas coisas e resolver muitas questões.

José Guita disse que os impostos em tempo real serão o futuro, com oportunidade de melhoria no cumprimento das obrigações fiscais, e admitiu que isto é mais difícil nos impostos sobre o rendimento que, no entanto, se podem tornar mais fluidos e ser tratados ao longo do ano e, no limite, chegar à tributação em tempo real.

Advertiu que não é suposto que o imposto em tempo real retire a percepção e a consciência do contribuinte em relação àquilo que está a pagar e admitiu que o caminho poderá ser haver uma moeda digital do próprio Estado, com garantias e segurança.

O director da Accenture não vê como tributar o trabalho dos robots, mas serão criadas novas profissões que serão tributadas.

Hélder Reis, professor universitário e consultor da Casa Civil do Presidente da República, recordou que no tempo da escravatura os donos pagavam um imposto sobre os escravos e admitiu que provavelmente viremos a ter um imposto sobre os robots.

Indicou que a digitalização tem pontos de natureza administrativa e outros de natureza económica, e alertou para que se tem vindo a verificar que é exigida aos cidadãos e às empresas cada vez mais informação, o que gera descontentamentos.

Recordou que nos últimos anos a taxa de crescimento do IVA cobrado tem vindo a ser superior ao crescimento do PIB e de outros indicadores, o que significa que houve um aumento da eficiência no IVA, que também promove a equidade.

Aquele professor universitário reconheceu que a informação deve chegar em tempo real à máquina fiscal, mas é precisa inteligência artificial para determinar o que há a pagar.

Ironizou que alguns contribuintes se esquecem do que há a pagar e a administração fiscal tem de ir buscar esse dinheiro - e isso não será em tempo real.

O consultor da Presidência da República indicou que tem havido trabalho a nível da União Europeia e da OCDE para haver harmonização na tributação, o que tem de implicar acordos entre países para evitar que uns tenham mais competitividade fiscal do que outros.

Ainda sem comentários