A APDSI – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação apresentou um manifesto de «Compromisso Nacional para uma Transformação Digital centrada no Ser Humano» para consciencializar a sociedade e os profissionais do sector para a necessidade de um uso ético das tecnologias.
O manifesto, elaborado por um Grupo de Missão da APDSI, coordenado por Vergílio Rocha, destaca que, apesar da consciência dos benefícios da transformação digital na vida das pessoas, há também uma consciência clara dos desafios cada vez mais complexos a vencer, para não serem postos em causa direitos e liberdades fundamentais.
Observa que a insuficiente formação e educação sobre o uso da tecnologia e o défice de esclarecimento sobre os desafios emergentes, coloca desafios e torna os riscos cada vez mais difíceis de gerir. Cita o caso em que os utilizadores cedem os seus dados a terceiros em troca de um desconto ou de um serviço Internet gratuito, sem ponderar os riscos da sua apropriação por entidades desconhecidas.
Acrescenta que, mesmo com avanços importantes como o RGPD - Regulamento Geral de Protecção de Dados, a vida pública e a política estão influenciadas por mecanismos que o Estado tem dificuldade em controlar e dominar.
Assistimos a disputas com base tecnológica onde somos compelidos a tomar posição sem sabermos o que verdadeiramente está em jogo, somos vítimas de ataques cibernéticos, a nossa vida privada é devassada, sem que tenhamos os meios de controlo e sem conseguirmos identificar os responsáveis.
O manifesto salienta os avanços da inteligência artificial e de dispositivos autónomos, desde os automóveis de condução autónoma até sistemas de diagnóstico e tratamento na saúde ou sistemas de apoio à decisão jurídica, o que indica que os sistemas inteligentes muito em breve estarão ligados a todos os aspectos da vida humana.
Importa que quem concebe e desenvolve, quem comercializa e quem usa as tecnologias digitais não perca de vista que o objectivo último da tecnologia é satisfação das necessidades das pessoas e uma sociedade melhor, sublinha o manifesto, que defende «um compromisso nacional para uma transformação digital centrada no ser humano».
O documento salienta que os produtos tecnológicos são desenvolvidos para um objectivo específico, mas o objectivo último de qualquer produto deve ser garantir o melhor interesse do ser humano e a sua dignidade.
Os sistemas tecnológicos em geral e a inteligência artificial em particular, têm de ser desenvolvidos e operados de forma a garantir o cumprimento de valores éticos como a confiança e a transparência, devendo ser robustos, explicáveis e passiveis de ser verificáveis por terceiros, centrados no ser humano e no bem comum, e devem promover o bem-estar e contribuir para o reforço da sociedade democrática e do estado de direito.
O Compromisso proposto no Manifesto tem 7 pontos que os autores consideram não ter ainda na sociedade portuguesa uma confluência de vontades para promover esses valores e propõem às empresas, ao Estado, a todas as organizações e aos profissionais de tecnologias uma plataforma para concretizar o compromisso nacional de promoção e defesa de uma transformação digital centrada no ser humano.
O primeiro ponto prevê a promoção da literacia digital para todos os portugueses no âmbito de um plano nacional para a literacia digital promovido por instituições e organizações, públicas e privadas.
O segundo, incentiva as universidades e outras instituições de ensino a empenharem-se na criação de competências humanistas e éticas nos profissionais e no desenvolvimento de tecnologia, que promova uma abordagem humanista de transformação.
O terceiro, preconiza uma definição e clarificação do corpo de valores deontológicos dos profissionais de tecnologias da informação e comunicações, alicerçados em princípios e boas práticas, técnicas e éticas, com compreensão de todas as implicações dos seus actos no processo de concepção e construções tecnológicas, estimulando uma gestão humanista da sua actividade criativa e operativa.
O quarto compromisso, visa promover entidades que avaliem os produtos digitais com impacto nas pessoas, do ponto de vista da protecção da privacidade, da dependência e da sua segurança, através de mecanismos de regulação e certificação de ética e segurança.
O quinto ponto passa por incentivar as empresas tecnológicas a utilizarem processos transparentes que evitem a manipulação dos utilizadores, com uma agenda que privilegie o factor humano e modelos de negócio auditáveis, e o sexto incentivar as organizações que abracem novas tecnologias baseadas em sistemas autónomos a efectuarem processos de avaliação risco/benefício dos investimentos, incluindo nos planos ético e humanista.
O documento defende que o Estado deve garantir nos investimentos tecnológicos o interesse da população, criar mecanismos de regulação das tecnologias emergentes para respeitarem os utilizadores e a sociedade, e criar um enquadramento legislativo que identifique as responsabilidades das organizações pela sua utilização e uma adequada fiscalização das normas éticas e a adopção de práticas seguras.