O Estado da Nação das Comunicações, tradicionalmente o último debate do Congresso da APDC, que reúne os CEO dos operadores e é tradicionalmente o mais ansiado, caracterizou-se esta quinta-feira por críticas violentas ao regulador e ao seu presidente.
Os presidentes executivos (CEO) da NOS, Vodafone Portugal e Altice Portugal não deixaram de trocar algumas farpas entre si, mas assestaram principalmente as baterias no presidente da ANACOM, João Cadete de Matos, a propósito do processo da atribuição de espectro radioeléctrico para a tecnologia 5G e de críticas feitas às empresas do sector, enquanto o Governo foi invulgarmente poupado.
Aliás, as críticas estiveram presentes na intervenção que Cadete de Matos fez na abertura do Congresso, em que disse que na última década os preços das comunicações subiram em Portugal e desceram em média na União Europeia e garantiu o empenhamento activo do regulador para a protecção máxima dos direitos dos utilizadores das comunicações e do seu direito de escolha, preço, qualidade e segurança dos serviços postais e de comunicações electrónicas.
Uma afirmação criticada e contestada pelos presidentes executivos dos três principais operadores e que levou o Secretário de Estado Adjunto e das Comunicações, Alberto Souto de Miranda, a comentar que a disparidade entre os estudos económicos citados pela ANACOM e pela associação dos operadores (Apritel) só podem significar que estão a olhar para realidades diversas.
Considerou que, sendo a matemática uma ciência exacta, seria bom que aqueles estudos chegassem a resultados idênticos.
Nas respectivas intervenções, CEO dos operadores consideraram que as afirmações do presidente da ANACOM contrariam os dados exaustivos que os operadores são obrigados a fornecer ao regulador e sublinharam que se há mais clientes nos pacotes de comunicações mais utilizados, se os clientes estão a consumir mais serviços e se as receitas dos operadores diminuíram a matemática indica que os preços desceram.
Na intervenção que antecedeu o debate entre os presidentes executivos da NOS, Vodafone Portugal e Altice Portugal, o Secretário de Estado das Comunicações revelou que o Governo não dará sequência à proposta da ANACOM de alteração da Lei das Comunicações Electrónicas porque o que faz sentido é avançar na transposição para o direito nacional da directiva europeia sobre a matéria, cumprindo o prazo para o fazer.
Defendeu que a banda larga não faz parte das obrigações de Serviço Universal (SU), que estão desajustadas do mercado e devem ser revistas nalguns aspectos, mas sustentou que a banda larga faz parte dos serviços essenciais e deve integrar o Serviço Universal, se necessário com financiamento do Estado.
Alberto Miranda defendeu que é preciso repensar os SU, tanto nas comunicações como no serviço postal, «sem preconceitos nem apriorismos».
Em relação às questões relativas ao 5G e ao regulamento do leilão de espectro, o Secretário de Estado enfatizou que é da competência do Governo a definição da política de comunicações, que o Governo assumirá as suas responsabilidade e competências legais e que o regulamento do leilão incorporará as orientações que o executivo definir.
Quanto ao eventual atraso português na implementação da tecnologia 5G, Alberto Miranda adiantou que já atribuíram licenças de espectro ou o processo está em fase de concretização em 24 países da União Europeia (UE) para os 700 MegaHertz (MHz) e em 26 Estados da UE para os 3,6 GigaHertz (GHz) e Portugal não está nem nos 24 nem nos 26.
Alberto Miranda considerou que há um atraso nos procedimentos mas ainda é possível cumprir os objectivos definidos para 2020 pela Comissão Europeia, destacando que para isso contribui a cidade de Matosinhos já estar coberta pelo 5G.
Defendeu um acesso célere ao espectro necessário para o 5G, que respeite os princípios da sã concorrência e da igualdade de oportunidades, manifestando-se certo de que o regulador saberá ouvir [as empresas do sector] e actuar responsavelmente.
Em relação ao confronto entre os Estados Unidos e a China, aquele membro do Governo garantiu que Portugal não vai anatemizar empresas (uma referência à Huawei) nem desconsiderar ameaças e assumirá o seu estatuto como estado membro da UE.
Para Alberto Miranda, o 5G é uma oportunidade de reforçar a coesão e levar a banda larga a todo o território e a toda a população, contribuindo para o desenvolvimento económico e social, mas sustentou que cada consumidor só deve pagar aquilo de que realmente precisa e que mais concorrência diversificará a oferta, uma preocupação do presidente da ANACOM.
Os líderes dos operadores defenderam a necessidade de resolver o problema das frequências detidas pela empresa Dense Air, com direitos até 2025 e que, segundo os operadores é uma entidade que não tem trabalhadores nem receitas, mas detém espectro necessário ao desenvolvimento do 5G e que nunca foi utilizado.
O CEO da NOS, Miguel Almeida, indicou que tem ouvido falar muito de atraso no 5G mas não é essa a questão que o preocupa, porque não é uma corrida dos 100 metros mas uma maratona e o pior para o país seria ter um 5G coxo, em que nenhum operador teria realmente 5G por não haver espectro radioeléctrico suficiente para isso.
Sustentou que o problema das frequências não é um problema dos operadores mas do país e manifestou receio de que venham a ser tomadas decisões com base em pressupostos errados, como «a mentira dos preços».
Contudo, o CEO da NOS destacou que o 5G é a maior decisão sobre telecomunicações dos últimos 10 anos e disse acreditar que vai haver bom senso e vai haver espectro para todos
Mário Vaz, CEO da Vodafone Portugal, indicou que na consulta de 2018 sobre a atribuição de frequências o operador foi muito claro na opinião de que Portugal não se deve atrasar em relação à Europa.
«É factual que estamos atrasados», vincou.
Mário Vaz sustentou que é preciso uma estratégia nacional para o 5G e que a tecnologia é demasiado importante para que a decisão seja deixada apenas para o regulador.
Mário Vaz denunciou que os custos do espectro aumentaram em Portugal, país onde os custos do espectro são os segundos maiores em percentagem das receitas dos operadores.
Segundo Mário Vaz, o roaming nacional, admitido pelo operador, significa dizer a alguém que invista para outros dizerem que querem estar no mercado mas não querem investir.
Defendeu uma estratégia para garantir cobertura da rede móvel em todo o país e para toda a população, como aconteceu na zona do Gerês, e deu o exemplo da Alemanha, onde parte das receitas do leilão de espectro se destina a fazer chegar a rede móvel a toda a gente.
Alexandre Fonseca, CEO da Altice, foi violento nas críticas ao regulador, afirmando que quem lidera a regulação não gosta do sector, não tem uma visão estratégica e não regula.
O presidente executivo da Altice defendeu que Portugal, que sempre foi considerado como um país de vanguarda nos serviços de telecomunicações, hoje está a comparar com países como Malta, Bulgária e Chipre, que não têm uma frequência atribuída nem estratégia para o 5G.
Indicou que em 2018 a Altice Portugal disse ao regulador que eram precisos oito a nove meses para migrar a TDT para outra frequência e agora, com atraso, a ANACOM pretende que isso seja feito num período impossível de cumprir.
Alexandre Fonseca garantiu que nos últimos 10 anos o sector perdeu 26,5% das receitas mas nessa década o investimento conjunto dos três maiores operadores rondou 1 milhões de euros por ano, apontando como preocupação a garantia de que o espectro é atribuído de forma transparente, equilibrada e justa e que não haja uns que pagam e outros que o utilizam gratuitamente, de forma temporária ou não, uma alusão à Dense Air.
Alexandre Fonseca sublinhou que 7% dos portugueses não têm sequer acesso ao 2G, o serviço móvel mais básico e defendeu que as autoridades devem decidir que todos os portugueses devem ter acesso a serviços de telefonia móvel, «mas o que temos visto é um deserto de ideias e de caminhos estratégicos do regulador».
Para o líder da Altice Portugal, os operadores têm estratégia e objectivos estratégicos, o que falta é saber o que é que o país quer fazer.