Nove organizações e associações portuguesas da área do digital contestaram em carta aberta o apoio do governo português ao projecto de Directiva europeia de copyright pelo «impacto irreparável» que «poderá ter nos direitos e liberdades fundamentais, na economia e no investimento».
A carta aberta, dirigida ao primeiro-ministro e aos ministros dos Negócios Estrangeiros, Economia, Cultura e Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, destaca que o projecto pretende responsabilizar pelos conteúdos dos seus utilizadores as plataformas Internet, sejam de armazenamento, de comércio electrónico, redes sociais, plataformas de vídeo e outras, obrigando-as a monitorizar e filtrar esses conteúdos, para detectar e eliminar os que poderiam estar protegidos por direitos de autor.
As nove associações e outras organizações sublinham que essas medidas são impossíveis de implementar sem impor aos cidadãos uma excessiva restrição nos seus direitos fundamentais.
Acrescentam que essa obrigação está expressamente proibida pela Directiva europeia do comércio electrónico, «o marco regulatório que quebrou barreiras económicas, geográficas e sociais, globalizando a inovação e o acesso à informação e a serviços», através de plataformas que actuam como intermediários tecnológicos entre utilizadores que procuram conteúdos, produtos ou serviços e os utilizadores que os oferecem.
Os subscritores recordam que 83 organizações europeias enviaram anteriormente uma carta às autoridades da União Europeia sobre esta matéria.
Três associações - a Associação D3-Defesa dos Direitos Digitais, a Associação de Ensino Livre (AEL) e a Associação Nacional para o Software Livre (ANSOL) – produziram um documento conjunto em que destacam que «os filtros de censura prévia são apenas um dos vários pontos preocupantes da reforma europeia dos Direitos de Autor», de «enorme relevância para a vida dos cidadãos».
Adianta que outros pontos incluem uma «taxa do link» e outras licenças e taxas.
As três associações afirmam que isto surge numa altura em que se descobriu que a Comissão Europeia escondeu um estudo que mostra não haver evidências de que os downloads ilegais tenham impacto nas vendas de conteúdos, excepto para filmes lançados muito recentemente, sendo que em alguns casos, como os jogos de computador, o estudo revela que ajudam as vendas.
A D3, a AEL e a ANSOL destacam que qualquer filtro que proceda à verificação prévia de conteúdos gerados pelos utilizadores não é aceitável num Estado de direito, não respeita os direitos dos cidadãos e é um ataque à liberdade de expressão.
Sublinham que Portugal tem uma história de luta contra a censura e defesa dos direitos dos cidadãos na legislação de direito de autor, pelo que a posição do governo português «é deveras surpreendente» e consideram que «a este novo posicionamento de Portugal poderá não ser alheio o facto de o novo Conselheiro Técnico na Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia (REPER) ter sido director-geral da Motion Picture Association Latin America».
As três associações sublinham que esta censura prévia viola a liberdade de expressão. «Não é admissível que o mero interesse económico dos detentores de direitos – que aliás já é atendido de forma demasiado “eficaz” na presente legislação – possa fazer com que a liberdade de expressão de todos os cidadãos seja de tal forma restringida».
Acrescentam que o projecto vai contra a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, que já se pronunciou contra a obrigatoriedade de monitorização generalizada de conteúdos pelos fornecedores de serviços, e vai contra a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
As associações subscritoras destacam que os filtros de censura não conseguem distinguir entre utilizações lícitas e ilícitas – a lei autoriza algumas utilizações livres de conteúdos protegidos por direitos de autor – e não distinguem a importação de um ficheiro (jogo, vídeo, música) legalmente adquirido ou obtido de forma ilegal.
Da mesma forma uma crítica a um livro que cite partes desse livro, ou uma pequena citação de um texto, será identificado como cópia ilegal.
A D3, a AEL e a ANSOL consideram que os prestadores de serviços não têm perfil para fazerem de juízes, «não têm competência nem legitimidade para decidir e muito menos têm qualquer incentivo para decidir de forma imparcial», mas, «colocados perante a possibilidade de serem responsabilizados pelos conteúdos que os utilizadores enviam, irão agir de forma preventiva e conservadora, censurando primeiro e perguntando depois».
E observam que se trata de «uma solução que não é sequer usada para o combate a conteúdos de pedofilia ou terrorismo».