As televisões privadas SIC e TVI emitiram sexta-feira um comunicado conjunto em que se manifestam contra a possibilidade de a RTP passar a emitir mais canais em sinal aberto através da Televisão Digital Terrestre (TDT).
As duas estações privadas de TV em sinal aberto argumentam que essa hipótese «viola o princípio da igualdade, já que os três operadores devem ter a mesma a possibilidade de utilização do espectro e, em iguais circunstâncias, melhorar a qualidade da sua emissão e/ou aumentar a oferta de canais».
Os dois operadores de televisão generalista privada afirmam que é «absolutamente inaceitável que se trate de forma diferenciada os três operadores» e lamentam que «seja introduzido um gravíssimo elemento de concorrência desleal no mercado, nomeadamente no que respeita à inclusão de mais minutos de publicidade nos novos canais RTP».
«Consideramos abusiva a possibilidade de novos canais da RTP virem a ser disponibilizados em regime de acesso não condicionado, ou seja, na TDT e em claro detrimento dos conteúdos da SIC e da TVI. Ao contrário do que se pretende fazer crer, o futuro da TDT passa pelo desenvolvimento de canais em HD e pelo incremento da oferta de serviços de programas de operadores já licenciados e não pelo aumento discriminatório e desproporcionado da oferta de mais canais públicos», acrescenta o texto conjunto da SIC e TVI.
As duas televisões privadas afirmam que nos últimos anos a operação da TDT tem sofrido diversas alterações de natureza técnica que resultaram num claro prejuízo para as populações e para os operadores televisivos FTA (Free to Air, isto é, desbloqueados, com acesso livre).
A SIC e a TVI reclamam que se «mostre ao mercado a informação detalhada da população efectivamente coberta por TDT e DTH (acesso aos canais TDT por satélite), a quantificação dos custos incorridos pelos utilizadores dos serviços TDT em virtude das sucessivas alterações da condições associadas» e que se faça «uma análise da possibilidade de apoio financeiro às populações pelos custos incorridos na adaptação dos equipamentos às sucessivas alterações das redes TDT».
O processo da TDT esteve desde o início envolto em polémica.
Em primeiro lugar, por uma questão de boas práticas, o concurso deveria excluir candidatos à gestão da TDT com interesses contraditórios com a melhor prossecução da instalação do novo serviço, desde logo os operadores de televisão por subscrição (à mulher de César não basta ser séria, é preciso parecer).
Se não houvesse outros interessados, melhor seria que o Estado, via ANACOM, promovesse uma entidade com o fim específico de gerir a TDT.
A PT Comunicações ganhou os dois concursos, um para a operação da TDT em sinal aberto (em 9 de Dezembro de 2008) e outro para a televisão paga na TDT (em 9 de Junho de 2009), mas seis meses depois requereu a revogação da última licença sem perda da caução, pedido aceite pelo regulador. O concurso não foi repetido.
As boas práticas são importantes para evitar quaisquer suspeições por eventual conflito de interesses. A atribuição da licença a um operador de televisão paga – qualquer que ele fosse e sem que isso signifique menor profissionalismo na gestão do serviço TDT -, presta-se sempre a deixar o processo sob suspeita.
Segundo um relatório de 2013 da Autoridade da Concorrência (AdC), no fim de 2012 Portugal era o país da União Europeia (UE), então com 25 Estados membros, onde a TDT apresentava o menor número de canais nacionais de acesso livre, sendo que o segundo pior, a Eslováquia, tinha quase o dobro. A média da UE era de 16 canais nacionais de acesso livre, num total de quatro centenas, sendo que mais de um terço (35%) eram canais públicos.
A AdC sublinhava que, no essencial, a plataforma TDT se limita a replicar a oferta do antigo sistema analógico, ao contrário do que aconteceu na UE em que aumentou o número de canais de acesso livre.
O relatório afirmava que o aumento dessa oferta deveria passar por um maior envolvimento do operador público, por exemplo pela disponibilização na TDT da RTP Memória e da RTP Informação. Ideia recentemente retomada pelo anterior ministro da tutela, Poiares Maduro.
O lançamento da TDT no terreno, também correu da pior forma. Segundo informação da DECO no início de 2013, cerca de 62% dos inquiridos que utilizavam, a TDT indicaram não receber o sinal de televisão em condições e 13% reportaram não conseguir seguir o normal desenrolar das emissões.
As notícias publicadas na altura pela comunicação social davam conta de que muitas pessoas se queixavam de falta de sinal da TDT e que nas zonas fronteiriças muitos optaram por captar a televisão espanhola por falta de acesso à portuguesa.
Considero que os apoios financeiros oferecidos na altura (lançada no primeiro semestre de 2012, em plena crise económica) a quem pretendia usufruir da TDT eram escassos para muitas pessoas de menores rendimentos e algumas comparticipações eram limitados a pessoas de muito baixos recursos, sempre com participação financeira dos utilizadores.
Algumas pessoas que ficavam acima dos (baixos) patamares de rendimento definidos teriam provavelmente dificuldades em disponibilizar os recursos necessários.
O relatório da AdC, nas suas conclusões e recomendações, preconizava que se retome o processo de lançamento de um novo canal generalista de acesso livre na TDT, conforme previsto no concurso. Em Março de 2009 a ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social excluiu as duas candidaturas para o quinto canal por não reunirem os requisitos necessários.
Aliás, na altura o quinto canal não entusiasmava os operadores no terreno, que consideravam que o bolo publicitário era insuficiente para suportar esse canal adicional, numa fase – recorde-se – de crise financeira internacional.
A AdC afirmava que o sucesso da TDT depende do aproveitamento das potencialidades proporcionadas pelo digital, mas observa que a oferta TDT está longe de aproveitar as vantagens associadas a esta tecnologia, nomeadamente a interactividade e a alta definição.
Além do maior envolvimento da RTP com a TDT, com oferta de canais adicionais, a AdC propunha a disponibilização de um maior número de canais em sinal aberto, de âmbito nacional e regional, públicos e privados, o retomar o processo de licenciamento do quinto canal generalista, o reequacionamento do interesse de uma plataforma de TDT por subscrição (televisão paga) e a promoção de canais HD e serviços interactivos.
A AdC preconizava também a aferição da qualidade do serviço da TDT para encontrar soluções ultrapassem as deficiências encontradas e a avaliação do interesse em criar condições de preço, eventualmente por via regulatória, que assegurem o acesso à rede de difusão, para estimular a aumento do número de canais, nomeadamente regionais e locais.
De notar que, enquanto os operadores de televisão por subscrição pagam pelos canais de televisão que transmitem, os produtores de canais de televisão têm de pagar à TDT pela transmissão dos seus canais, o que origina que sejam basicamente as televisões generalistas, obrigadas pelas condições de licenciamento a fornecer serviço em sinal aberto, quem recorre à TDT.
Houve aliás queixas das televisões generalistas em relação aos preços praticados pela PT e esse contexto explica que novos canais que entretanto surgiram estejam apenas disponíveis na televisão paga.
Fernando Valdez