O Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que uma rede social não pode ser obrigada a instalar um sistema de filtragem para evitar utilização ilícita de obras musicais e audiovisuais.
Um acórdão de quinta-feira afirma que uma obrigação daquele tipo «não respeitaria a proibição de impor a esse prestador uma obrigação geral de vigilância nem a exigência de assegurar um justo equilíbrio entre a protecção do direito de autor, por um lado, e a liberdade de empresa, o direito à protecção dos dados pessoais e a liberdade de receber ou enviar informações, por outro lado».
A decisão surge na sequência de uma acção da SABAM, sociedade belga que representa autores, compositores e editores de obras musicais, contra a rede social Netlog, intentada dis 23 de Junho de 2009 num tribunal de Bruxelas.
A SABAM alega que a Netlog, que dá a cada utilizador um perfil (espaço pessoal que pode preencher como quiser), permite aos utilizadores colocar no seu perfil obras musicais e audiovisuais.
A acção judicial interposta pedia ao tribunal que ordenasse à Netlog a cessação imediata de toda e qualquer disponibilização ilícita das obras musicais ou audiovisuais do catálogo da SABAM.
A Netlog alegou que essa imposição equivaleria a impor-lhe uma obrigação legal de vigilância que é proibida na directiva sobre o comércio electrónico.
O tribunal belga pediu ao Tribunal de Justiça da União Europeia (ECJ) que se pronunciasse sobre esta matéria.
Para o ECJ, é «pacífico que a instalação deste sistema de filtragem implicaria que o prestador de serviços de armazenamento identificasse desde logo, no conjunto dos ficheiros armazenados nos seus servidores por todos os utilizadores dos seus serviços, os ficheiros susceptíveis de conter obras sobre as quais os titulares dos direitos de propriedade intelectual afirmam ser titulares de direitos. Por outro lado, o prestador de serviços de armazenamento deveria determinar, em seguida, quais desses ficheiros eram armazenados e disponibilizados ao público ilicitamente, e proceder, finalmente, ao bloqueio da disponibilização dos ficheiros que considerasse ilícitos».
«Esta vigilância preventiva exigiria assim uma observação activa dos ficheiros armazenados pelos utilizadores junto da entidade que explora a rede social. Consequentemente, o sistema de filtragem imporia ao prestador de serviços de armazenamento uma vigilância geral das informações armazenadas nos seus servidores, o que é proibido pela diretiva sobre o comércio eletrónico», acrescenta o tribunal.
O ECJ sublinha que «compete às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais, no âmbito das medidas adoptadas para proteger os titulares de direitos de autor, assegurar um justo equilíbrio entre a protecção deste direito e a dos direitos fundamentais das pessoas afectadas por essas medidas».
«Ora, no presente caso, a medida inibitória que ordena a instalação de um sistema de filtragem implica a vigilância, no interesse dos titulares de direitos de autor, da totalidade ou da maior parte das informações armazenadas junto do prestador de serviços de armazenamento em causa. Essa vigilância deveria, além disso, ser ilimitada no tempo, visando toda e qualquer violação futura e pressupõe-se que devesse proteger não só as obras existentes, mas também as obras futuras que ainda não foram criadas no momento da instalação do referido sistema. Deste modo, esta medida inibitória implicaria uma violação caracterizada da liberdade de empresa da Netlog, dado que a obrigaria a instalar um sistema informático complexo, oneroso, permanente e exclusivamente a expensas suas.»
«Acresce que os efeitos da referida medida inibitória não se limitariam à Netlog, sendo o sistema de filtragem controvertido também susceptível de violar os direitos fundamentais dos utilizadores dos seus serviços, – a saber, o seu direito à protecção dos dados pessoais e a sua liberdade de receber ou enviar informações –, direitos que são protegidos pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Com efeito, a medida inibitória implicaria, por um lado, a identificação, a análise sistemática e o tratamento das informações relativas aos perfis criados na rede social, sendo estas informações dados protegidos de carácter pessoal, uma vez que permitem, em princípio, a identificação dos utilizadores. Por outro lado, a referida medida inibitória correria o risco de violar a liberdade de informação, dado que esse sistema poderia não distinguir suficientemente um conteúdo ilícito de um conteúdo lícito, de modo que o seu accionamento poderia provocar o bloqueio de comunicações de conteúdo lícito.», observou o ECJ